Já de início quero deixar claro que não se trata de um texto de cunho teológico acadêmico, tampouco trata-se de um tutorial para preparação de uma pregação. São apenas anotações de alguém que eventualmente prega a Palavra do Senhor.
Uma vez que outra me deparo com a pergunta: Como você preparou essa pregação? Ou ainda: Como faço para preparar uma pregação?
Não acredito que exista uma receita, e não quero desmerecer alguns seminários teológicos
que passam verdadeiras receitas de pudim de micro-ondas ou bolo de
caneca, mas acredito que preparar uma pregação é mais que colocar pó de
Tang em 1 litro de água
gelada e misturar. Parece que todo mundo sabe disso, mas sério, alguns
púlpitos são tão repetitivos que se alguém pegar no sono não será obra
das trevas, mas da falta de luz sobre o pregador.
Conhecer a Palavra do Senhor: parece óbvio, mas é óbvio somente no discurso. A grande
maioria dos pastores brasileiros sequer leu a Bíblia por inteiro uma
única vez na vida, na minha opinião, um cristão alfabetizado que nunca
leu a Bíblia ama tanto o evangelho quanto as trevas amam a luz. Se você é
cristão e a Palavra do Senhor não faz
parte do seu cotidiano, você é um farsante... voltando: na sua grande
maioria, muitos pastores são apenas reprodutores de pregações e ensinos
repassados de segunda ou terceira mão (vistos em um congresso ou visita a
uma igreja), pois muitas vezes ouviram de alguém que também faz o que
eles fazem, reproduz.
A
Palavra do Senhor é viva, logo, toda pregação deve ser original. Faço
algumas ressalvas antes de continuar. Original aqui não significa
“original”, mas sim: nova/novidade. A originalidade dos pastores
brasileiros (não tão originais pois são cópia muito ruim da gospelândia
estadunidense) traduz-se em invencionices e bizarrices, não me refiro a
isso, mas a novidade da Revelação que é viva na Palavra do Senhor. Creio
num evangelho simples, onde o poder da Palavra
não está na erudição do homem capacitado intelectualmente, mas na
revelação da Palavra dada ao homem espiritualmente capacitado.
Não se vê, em geral, novidade nos púlpitos, o que se vê é uma mera repetição de valores morais
de “heróis” bíblicos. O que se vê são homens que dedicam muito tempo a
atividades ministeriais e pouco ou nenhum tempo para meditação e estudo da Palavra do Senhor. Preparam-se apenas para a pregação, não para a Salvação. Por este motivo os apóstolos decidiram: “(...) Não é certo
negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às
mesas. (...) e nos dedicaremos à oração e ao ministério da palavra". (Atos 6.2-4). É claro que a demanda
da igreja hoje é diferente. Mas, se um pastor ou pregador tem tantos
compromissos por semana, quanto tempo ele dedica a Palavra do Senhor?
Não faltam igrejas cheias de ovelhas no pasto mas sem nenhum cereal no
celeiro. Sem alimento adequado a igreja enfraquece. Ovelhas fracas não
se reproduzem. Sem prole a igreja morre.
Minha
vida na igreja começou a pouco mais de três décadas. A igreja é um lugar
muito mais natural para mim que meu próprio ambiente de serviço, tenho
mais tempo dentro dela que no mercado de trabalho, e o que vi nesses
trinta-e-poucos-anos? Algumas dezenas de pregações simplesmente
repetidas. Veja, não estou falando de um pregador/palestrante que dá a
mesma aula ou estudo bíblico, estou falando de pastores e pregadores que
deliberadamente copiam pregações de outros pastores. Na internet está
cheio, os jargões e ideias que cercam alguns textos bíblicos, por mais
absurdos e heréticos que sejam, proliferam como peste no youtube e
outras redes sociais.
Também
não creio que apenas um profundo conhecimento da Palavra seja suficiente
para preparar um sermão. Pessoas com um profundo conhecimento bíblico
apesar de escassas não são raras, agora, com muito conhecimento,
profunda certeza da fé e paixão pelo evangelho... como ficou raro. O que
encontramos muitas vezes são esses três adjetivos divididos em pessoas
diferentes e um lutando contra o outro. O teólogo que não desce do seu
pedestal para ensinar o neófito; o cheio de certezas mas que desconhece o
que crê (a grande maioria) e o apaixonado pelo evangelho, tão
apaixonado que esquece que os outros precisam ouvir as boas novas, tão
apaixonado que dorme sobre a Bíblia sem encontrar nenhuma utilidade para ela... ele é apaixonado, mas tolo.
Para preparar um sermão é necessário, acima de tudo, uma convicção da Salvação.
Uma certeza infinita (até onde pode nossa mente alcançar) da soberania
de Deus sobre sua vida, a ponto de todo seu desejo estar voltado para
apenas ser um meio para aquilo que o Espírito Santo tem para a igreja.
Como isso é difícil, ainda que sejamos fieis (o que não somos), nossa
carne luta ferozmente para de alguma forma nosso “eu” ter algum crédito.
Eu mesmo enquanto escrevo este texto, analiso as palavras que uso para
que ele seja lido e aceito. Meu “eu” espera elogios e provavelmente
ficará perturbado com críticas contrárias, mas vejam, não deveria ser
esta minha preocupação. Se o que entrego vem do Senhor, essa preocupação
deveria ser Dele. Isso apenas aponta minha falha constante em ser fiel
com o Senhor, minha incapacidade de crer de todo o coração e de tornar a
Palavra meu único alimento.
Pois
bem, é assim que preparo um sermão. Buscando enquanto o escrevo,
corrigir o meu erro. Expondo meu pecado, aguardando a misericórdia do
Senhor. Crendo em seu auxílio, perdão e salvação, resultado de um
arrependimento. Como chego neste ponto? Enquanto leio a Palavra do
Senhor e em oração converso com Ele, tudo que sou torna-se terrivelmente
exposto, muito do que ele é torna-se maravilhosamente conhecido por
mim. A Palavra então torna-se o bisturi que abre a ferida e a gaze que
estanca o ferimento. Deus, Ele mesmo, destroça o vaso e restaura da
forma que lhe apraz. Acredito que é assim que homens imperfeitos e
pecadores mas usados por Deus preparam seus sermões. Pregam antes para
si mesmos, pois se não houver nenhuma transformação e conversão em mim,
como haverá em outros?
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