sexta-feira, 24 de março de 2017

Discopraise - Ouvir o Teu Falar

quinta-feira, 9 de março de 2017



Meu parceiro não muda!
A pergunta é: E você, já mudou?
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A regeneração necessariamente precede a conversão?

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A resposta a essa pergunta é “sim”, mas antes de explicar o porquê de ser assim, os termos “regeneração” e “conversão” precisam ser brevemente explanados.
Regeneração significa que alguém nasceu de novo ou nasceu do alto (João 3.3, 5, 7, 8). O novo nascimento é a obra de Deus, de tal modo que todo aquele que é nascido de novo é “nascido do Espírito” (João 3.8). Ou, como diz 1 Pedro 1.3, é Deus quem “segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança”. O meio que Deus usa para conceder essa nova vida é o evangelho, pois os crentes foram “regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1 Pedro 1.23; cf. Tiago 1.18). A regeneração ou o nascer de novo é um nascimento sobrenatural. Assim como não podemos fazer nada para nascermos fisicamente – isso simplesmente acontece conosco! – assim também não podemos fazer nada para causar o nosso renascimento espiritual.
A conversão ocorre quando pecadores voltam-se para Deus em arrependimento e fé para salvação. Paulo descreve a conversão dos tessalonicenses em 1 Tessalonicenses 1.9: “pois eles mesmos, no tocante a nós, proclamam que repercussão teve o nosso ingresso no vosso meio, e como, deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro”.  Os pecadores são convertidos quando se arrependem de seus pecados e voltam-se, em fé, para Jesus Cristo, confiando nele para o perdão de seus pecados no Dia do Juízo.
Paulo argumenta que os descrentes estão mortos em “delitos e pecados” (Efésios 2.1; cf. 2.5). Eles estão sob o domínio do mundo, da carne e do diabo (Efésios 2.2-3). Todos nascem nesse mundo como filhos ou filhas de Adão (Romanos 5.12-19). Portanto, todas as pessoas entram nesse mundo como escravas do pecado (Romanos 6.6, 17, 20). A vontade delas está em escravidão ao pecado e, portanto, elas não têm inclinação alguma ou desejo algum de fazer o que é certo ou de se converter a Jesus Cristo. Deus, contudo, por conta de sua maravilhosa graça, “nos deu vida juntamente com Cristo” (Efésios 2.5). Essa é a forma de Paulo dizer que Deus regenerou seu povo (cf. Tito 3.5). Ele soprou vida em nós onde não havia nenhuma antes, e o resultado dessa nova vida é a fé, pois a fé também é “dom de Deus” (Efésios 2.8).
Muitos textos de 1 João demonstram que a regeneração precede a fé. Os textos são os que seguem: “Se sabeis que ele é justo, reconhecei também que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele” (1 João 2.29). “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1 João 3.9). “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus” (1 João 4.7). “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido” (1 João 5.1).
Nós podemos fazer duas observações a partir desses textos. Primeiro, cada ocorrência do verbo “nascer” (gennaô) está no tempo verbal perfeito, que denota uma ação que precede as ações humanas de praticar a justiça, evitar o pecado, amar a Deus ou crer nele.
Segundo, nenhum evangélico diria que antes de termos nascido de novo teríamos que ter praticado a justiça, pois tal visão ensinaria a justificação por obras. Nem diríamos que primeiro nós evitamos o pecado e, então, nós nascemos de Deus, pois tal visão sugeriria que as obras humanas nos fazem nascer de Deus. Nem diríamos que primeiro nós mostramos um grande amor a Deus e, então, ele nos faz nascer de novo. Certamente que não. Está claro que praticar a justiça, evitar o pecado e amar a Deus são consequências ou resultados do novo nascimento. Mas, se esse é o caso, então temos que interpretar 1 João 5.1 da mesma forma, pois a estrutura do versículo é a mesma que encontramos nos textos sobre praticar a justiça (1 João 2.29), evitar o pecado (1 João 3.9) e amar a Deus (1 João 4.7). Segue-se, então, que 1 João 5.1 ensina que primeiro Deus nos concede uma nova vida e, então, nós cremos que Jesus é o Cristo.
Nós vemos essa mesma verdade em Atos 16.14. Primeiro Deus abre o coração de Lídia e a consequência é que ela passa a prestar atenção e crê na mensagem proclamada por Paulo. Semelhantemente, ninguém pode ir a Jesus em fé a não ser que Deus trabalhe em seu coração e o atraia à fé em Cristo (João 6.44). Mas todos esses que o Pai atraiu e deu ao Filho irão certamente colocar sua fé em Jesus (João 6.37).
Deus nos regenera e, então, nós cremos. Portanto, a regeneração precede a nossa conversão. Assim, nós damos toda glória a Deus pela nossa conversão, pois o nosso voltar-se para ele é inteiramente obra da sua graça.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Os Miseráveis – Romances seculares que recomendamos [9]


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Nota do tradutor: o presente artigo não é exatamente uma recomendação – como os outros da série –, mas uma análise de um ponto aspecto específico do romance. À guisa de leitura complementar, leia o texto O Talento de Victor Hugo, de John Piper, que publiquei na plataforma Medium (link aqui).
Os Miseráveis, de Victor Hugo, ainda é tema de discussão, e por uma boa razão.
Os cristãos, em especial, têm celebrado corretamente o retrato da beleza da misericórdia e da graça nessa comovente estória de mais de 150 anos de idade. A maioria das análises teológicas tem contrastado Javert, o inspetor obcecado pela lei, com Valjean, o ladrão transformado pela graça.
Embora muito dessas análises tenha sido de uma precisão absoluta, é importante que uma realidade bíblica e teológica não se perca. Permita-me colocar deste modo: muitos consideram Javert como um legalista consumado, a personificação de uma preocupação obstinada com a perfeita obediência à Lei justa de Deus. O problema é este: ele não é.

Que lei?

Sem dúvidas, Javert é um legalista de cabo a rabo. Mas a lei que modela a sua obsessão não é a Lei de Deus, a Lei de Moisés ou a Lei de Cristo. É lei, certamente, mas a lei francesa do século 19, coberta com uma camada de religiosidade, mas abrigando apenas uma semelhança passageira com algo bíblico.
O apóstolo Paulo diz que a Lei é santa, justa e boa (Romanos 7.12). Mas não há nada de santo em condenar um homem faminto a cindo anos de prisão por ele ter roubado um pão. Não há nada de justo em estigmatizar esse homem como um bandido perigoso pelo resto de sua vida. Não há nada de bom em uma lei (ou homem da lei) obcecada em capturar um ex-ladrão em liberdade condicional enquanto tolera criminosos tenazes como os Thenardiers.
A lei que Javert ama é uma rede burocrática que enreda o pobre e privilegia o rico. A sociedade que Javert defende oprime viúvas e órfãos, impelindo-os à prostituição e ao roubo como um meio de sobrevivência. A lei de Javert privilegia o depoimento do abastado em detrimento do depoimento de uma mulher trêmula e indefesa (ao mesmo tempo que os poderosos buscam saciar a luxúria deles na parte ralé da cidade). A lei de Javert destina o pobre a uma vida que é vexatória, animalesca e (no caso de Fantine) misericordiosamente curta.

A sedução sutil na estória de Hugo

Para que essa condenação da classe dominante em Os Miseráveis não seja tomada como um endosso aos “homens furiosos” e sua ideologia revolucionária, deixe-me dizer que considero a glorificação da violência revolucionária como uma das seduções mais centrais e sutis do livro de Hugo, algo que os cristãos perspicazes reconhecerão e rejeitarão.
Os Miseráveis romantiza a Revolução e o radicalismo utópico em que ele surfou: a divinização do “Povo”, a glorificação da “barricada”, a obsessão em derrocar o passado e recriar o mundo. Os “homens furiosos” chegam ao “céu” por meio de seu sangue e martírio pela Causa e pelo “Povo”, mas os verdadeiros “homens furiosos” (ou, antes, seus predecessores em 1789) nos legaram a guilhotina e o Templo da Razão em sua jornada pela “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. O regime antigo era medonho, mas os revolucionários foram comprovadamente piores.

O que Jesus diz a Javert

Diferenciar o legalismo de Javert da lei bíblica é mais do que um interesse meramente semântico. Ele pode matizar o modo como nós, como cristãos, lemos o Antigo Testamento. Pode perpetuar a ideia de que as tentativas de obedecer fielmente à Lei de Deus são problemáticas e imperfeitas desde o início, quando tais esforços são de fato dignos e recomendáveis, desde que feitos com base na fé em Jesus e a partir da certeza de que já fomos aceitos por Deus.
Considere desta forma: se Jesus (ou Moisés) viesse a Javert, ele não o condenaria por suas tentativas meticulosas de guardar a Lei de Deus; ele o condenaria por negligenciar a Lei de Deus, especialmente seus tópicos mais importantes: misericórdia, justiça e fé (Mateus 23.23). Em outras palavras, Javert seria condenado como um fariseu, pois é exatamente isso o que ele é.
Mas não nos esqueçamos do cerne da condenação de Jesus aos fariseus. Ele os condena porque transgredem a lei (Mateus 23.2-3), por suas tradições humanas que sobrepujam a Lei de Deus (Mateus 15.3-7), por seu amor ao dinheiro (Lucas 16.14), por oprimirem o pobre e o vulnerável (Mateus 23.14), por não apreciarem a Lei o bastante (pois se o fizessem, reconheceriam Jesus como o seu cumprimento).
E não nos esqueçamos que é Jesus que radicaliza a questão da obediência no Sermão do Monte, chamando de “pecado” aquilo que os supostos “guardiões” teriam desculpado (luxúria, ira, juramento). Tudo isso quer dizer, em se tratando de Os Miseráveis, que não vamos equiparar a obediência de Javert com a obediência à Lei de Deus ou à obediência cristã (em contraste com a graça e a misericórdia cristãs).  Na verdade, se pensarmos biblicamente, Valjean é o verdadeiro guardião da lei, que defende os tópicos mais importantes, protege o vulnerável, o pobre e o oprimido, e guarda os Grandes Mandamentos (amor a Deus e ao próximo) porque ele foi comprado pela graça de Deus (nos objetos de prata do bispo).

Os Miseráveis na Escola Dominical

Não estou dizendo que Os Miseráveis não comunica a beleza da misericórdia. Ele certamente o faz – e o faz de forma espetacular. Também não estou dizendo que Javert não é um exemplo de tudo que está errado com a humanidade. Na verdade, esta análise mostra apenas quão difuso é o pendor humano em estabelecer leis falsas. Quer sejam as tradições dos fariseus, a jactância etnocêntrica na lei dos judaizantes, as minúcias burocráticas de Javert, a escrupulosidade excessiva dos fundamentalistas ou os crimes de ódio dos progressistas, os seres humanos adoram quebrar a Lei de Deus erigindo as suas próprias. Somos rebeldes, e isso é o que fazemos.
Portanto, sim, use Os Miseráveis como uma ilustração na Escola Dominical. Apresente-o como uma forma de iniciar um diálogo evangélico com um colega de trabalho. Mas, na medida em que você o fizer, esteja atento ao que você está fazendo. Não equipare Javert com a Lei como Deus tencionou. Ao contrário, tente isto como um exercício: critique Javert e a sociedade que ele representa com base apenas no Antigo Testamento. Limite-se, quem sabe, até mesmo ao Pentateuco.
Lembre-se de que o Deus de toda graça, o Deus de espantosa misericórdia, o Deus dos pecadores redimidos revela-se não apenas em Mateus e Romanos, mas também em Levítico e Deuteronômio. Lembre-se de que “o mundo que ansiamos ver” é um mundo no qual andamos de acordo com o Espírito e, assim, o preceito da lei se cumpre em nós (Romanos 8.4). Lembre-se de que provavelmente seria Valjean, não Javert, que ecoaria o cântico de Davi no Salmo 119: “Oh, como amo a tua Lei!”.