Putin contra o sexo dos anjos
Luiz Felipe Pondé
A
comunidade europeia, essa reunião de países cheios de gente mimada,
anda querendo discutir se é certo tratar uma criança quando é pequena de
menino ou menina. O debate, é evidente, é coisa de gente riquinha que
acaba levando a sério delírios da chamada teoria de gênero, essa
invenção de professores desocupados com problemas de identidade sexual.
De
fato, desse jeito, parece que a Europa ocidental acabou mesmo. As
escolas europeias, se essa ideia idiota passar, vão virar um antro de
"autoritarismo de gênero".
Nesse
sentido, Putin talvez esteja fazendo um favor aos europeus, lembrando a
eles que existe um mundo de preocupações reais, e não os debates
idiotas sobre se meninos são meninos e meninas são meninas ou se tudo
isso é uma invenção humana como o "croissant".
Nesse
cenário, cabe bem o Obama, que, sendo um presidente pop das redes
sociais, deve ter mandado um WhatsApp para o Putin protestando contra a
anexação da Crimeia pelos russos, coisa que o russos têm todo o direito
de fazer e que a maioria esmagadora da população da Crimeia deseja.
Imagino
que Obama, cuja única competência é ser o primeiro presidente negro dos
EUA (uma grande coisa, sem dúvida), deve ter posto na sua página do
"Face" grandes bravatas dizendo que ia fazer isso e aquilo e colocar o
Putin no seu lugar. Na verdade, quem colocou quem aqui no "seu lugar"? O
Putin é que colocou a série toda de líderes ocidentais nos seus
lugares, porque estes, viciados em discutir como a vida é uma "agência
de direitos chiques", enquanto comem queijos e vinhos, se esqueceram de
que a vida é o que acontece quando você está ocupado delirando com seus
sonhos de Branca de Neve.
Putin
é um choque de realidade na sociedade fútil em que se transformou a
Europa ocidental, banhada em "direitos" que custam muito caro.
Voltando
à discussão sobre o sexo das crianças. Chocante é como muitos
psicólogos, contaminados pela ideia de que construímos sujeitos
socialmente, se deixam levar por essa bobagem do tamanho de um bonde
cheio de bobos. O fato de que existam gays e lésbicas, e que estes
tenham, sim, direito de viver como todo mundo, não implica o direito de
teóricos autoritários começarem a legislar sobre a sexualidade de um
monte de crianças "avant la lettre".
Imagino
que, se essa lei pegar, o número de crianças com problemas de
identidade no futuro da Europa será enorme; mas tudo bem, porque o
Estado de bem-estar social (esse personagem de um conto de fadas) vai
garantir terapia para todo mundo. Levar um debate desses a sério beira
as raias da pura e simples irresponsabilidade moral.
Voltando
à Rússia. Desde, no mínimo, o século 19 (vemos isso, por exemplo, nos
debates na imprensa russa, debates esses do qual fez parte gente de peso
como Dostoiévski, Turguêniev e Tolstói), a Rússia se vê como uma nação
que deve cuidar de si mesma para não se transformar no fantasma de si
mesma que virou a Europa, bêbada com o que alguns filósofos e similares
inventaram para combater o tédio.
Um
amigo meu, discutindo esse projeto de lei estúpido, fez uma bela
analogia. Sabemos que Francis Bacon, entre outros (o louquinho do
Giordano Bruno também fez essa crítica, mas a usou para seus delírios
metafísicos inócuos), criticou duramente o que se convencionou chamar em
história da filosofia de "baixa escolástica".
A
escolástica foi um tipo de prática filosófica muito comum na Idade
Média, que buscava racionalizar todo o conhecimento a partir de
enunciados lógicos sistemáticos que supostamente esgotariam a totalidade
da realidade, inclusive a metafísica. Grandes figuras desse período,
como Tomás de Aquino, foram escolásticos.
A
"baixa escolástica" é a marca da decadência da escolástica, que por sua
vez representou a decadência da Europa medieval e metafísica
pré-científica e burguesa.
Os
escolásticos decadentes, para Bacon, discutiam coisas como "quando um
homem puxa um burro, é ele quem puxa ou a corda?". Ou: "Teriam os anjos
sexo?".
Estamos quase lá: os europeus se preparam para discutir se as crianças têm sexo. A Europa precisa muito de Putin.
Luiz Felipe Pondé é filósofo conservador brasileiro de origem judaica.
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