
Vivemos
uma contradição muito interessante. Somos cristãos, o que significa que
abraçamos a religião da graça (pois o cristianismo é a única crença
religiosa do planeta em que a salvação não depende do homem, mas de
Deus, que age movido por amor e compaixão). Por outro lado, temos uma
forma de enxergar os erros do nosso próximo de forma quase implacável.
Quanto mais fios brancos nascem na minha cabeça, mais claramente percebo
o coração extremamente perdoador do Senhor em oposição ao coração pouco
perdoador dos homens. Em nome do amor a Deus sobre todas as coisas
acabamos por não amar nada o próximo como a nós mesmos. Diga, por favor,
se estou errado: muitas vezes você admira um certo cristão e, no dia
que descobre que ele cometeu um pecado considerado grave, passa a não
enxergá-lo mais do mesmo modo. Deus pode tê-lo perdoado décadas atrás,
mediante seu arrependimento, mas, ainda hoje, sussurramos sobre aquele
pecador num tom nada gracioso. Não é o que acontece? A questão é que, se
agimos dessa maneira, não nos conformamos à imagem de Cristo e
procedemos com nosso próximo de maneira nada diferente do mundo. Decidi
conduzir você à reflexão sobre isso de um modo extremamente doloroso
para mim. Se está lendo este blog, é porque você enxerga em quem aqui
escreve algum tipo de virtude cristã. Então tomei a decisão de confessar
publicamente um pecado hediondo que cometi, e gostaria de ver se,
diante disso, você continuará lendo o APENAS, se deixará de ser
assinante do blog, se passará a ver o que escrevo com desconfiança.
Acredite, não é nem de longe fácil para mim expor esse meu pecado, mas,
se vai ajudar a levar você a uma meditação que o fará aproximar-se mais
do modo divino de ser e o tornará um praticante mais ativo da graça…
vale a pena.
Pois bem, a verdade é que eu já matei uma pessoa.
É muito difícil expor isso. Por motivos óbvios, não saio por aí
dizendo às pessoas que cometi esse crime, que me marcará para o resto de
meus dias. Levarei essa marca na alma até o dia de minha morte, pois
cometi o chamado homicídio culposo – o que é cometido sem a intenção de
matar. Fato é que um homem deu seu último suspiro porque o assassinei, e
ter ou não a intenção original não muda este fato: eu tirei a vida de
um ser humano. Se eu dissesse isso de cara, possivelmente você não leria
um único post deste blog, pois eu me tornaria um desqualificado para
falar das coisas de Deus, minha única definição aos seus olhos seria
assassino.

Estou
usando de uma sinceridade que, acredite, não é nada fácil para mim.
Seria mais conveniente continuar mantendo esse crime do meu passado
oculto e seguir falando e escrevendo sobre as coisas de Deus sem que
você visse em mim o que realmente sou – um assassino. Confessar isso
pela internet exige muito, me faz sofrer, traz lágrimas aos meus olhos.
Mas senti que chegou a hora de abrir esse pecado. Em troca, tudo o que
peço é que você use da mesma sinceridade e diga: saber disso muda a
forma como você me vê? Saber que pequei contra o sexto mandamento me
desqualifica aos seus olhos? Até que ponto você é capaz de me ver como
um igual tendo conhecimento de que levei um ser humano à morte? Em que
medida consegue enxergar o perdão de Deus sobre a minha vida e continuar
a ler o que escrevo sem passar a ver minhas palavras como água que
brota de uma fonte contaminada, estragada? E – o mais importante de tudo
– o que a percepção sobre a forma como você passará a me ver a partir
da leitura deste texto levará a você a pensar, à luz da Bíblia, sobre a
graça que existe no seu coração?
Muita coisa aconteceu depois que tirei a vida daquele homem. Fui
restaurado, pequei de novo, me arrependi de novos erros, pequei
novamente e sigo nessa caminhada – transgredindo, acertando,
escorregando, me levantando, me esforçando para não errar mais. Mas nada
apagará o fato de que um ser humano foi morto pela minha mão. Agora
você entende por que poucas coisas me entristecem tanto como ver irmãos
em Cristo agindo de modo impiedoso com pecadores arrependidos – pois eu
mesmo sou um pecador arrependido. Mais ainda: um terrível pecador
arrependido.
A falta de entendimento bíblico sobre a graça, a misericórdia e o
perdão gerou uma situação tão grave que muitos não perdoam nem a si
mesmos, por causa de erros que cometeram no passado – embora Deus já os
tenha perdoado. Outros tantos não conseguem estender perdão àqueles que
pecaram. Como um pecador perdoado, não tenho como não me entristecer ao
ver tanta gente imperfeita enterrando tanta gente imperfeita.
Desqualificando. Segregando. Pondo o dedo no nariz. Acusando. É por isso
que, de vez em quando, volto no APENAS ao tema do perdão – pois, apesar
de ser um dos fundamentos do evangelho, graça é algo tão pouco posto em
prática em nossos dias. Tão pouco…

Devemos
odiar o pecado com todas as nossas forças, não nos conformar com ele,
pregar contra ele, exortar os irmãos que sabemos estar praticando
pecados dos quais não se arrependem. É o que a Bíblia manda e ponto
final. Mas também devemos odiar a impiedade hipócrita daqueles que só
sabem acusar e não enxergam a trave do tamanho de um campo de futebol
que ostentam em seus olhos. O pecado me enoja.
Meu pecado me
enoja. Mas também me enoja a postura que costumo chamar de “nazismo
espiritual”: gente que, em defesa da santidade, esquece as próprias
iniquidades e promove uma “limpeza étnica”, pondo aqueles que considera
“mais pecadores” do que si mesmos (isso existe?) em um gueto de
impiedade, num campo de concentração de acusações, num paredão de falta
de misericórdia, numa câmara de gás de falta de graça. Até acredito que
fazem isso com boas intenções, por falta de instrução bíblica ou de
amor, mas não podemos deixar isso passar sem nos esforçarmos por
levá-los a ver como Cristo vê.
Jesus mesmo disse,
“Portanto, eu lhe
digo, os muitos pecados dela lhe foram perdoados; pois ela amou muito.
Mas aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama” (Lc 7.47). Eu
sei que meus muitos pecados foram perdoados e por isso minha gratidão ao
Senhor não tem fim. Sei que o assassinato que cometi não pesa mais
sobre mim, por isso banho os pés de Cristo com minhas lágrimas e os
enxugo com meus cabelos. Mas, infelizmente, sou obrigado a conviver
diariamente com a triste visão de irmãos em Cristo que odeiam a graça e
amam pisar em pecadores. Uma igreja formada por gente assim não é a que
vai morar no céu. É humana, carnal, pecadora e – literalmente – des…
graçada.

Por
favor, faça uma análise de suas atitudes. Como você age quando sabe que
um irmão cometeu um pecado que o escandaliza, mas do qual se
arrependeu? Compare sua postura com a que acredita que Jesus teria.
Seria a mesma? Precisamos estudar mais sobre o que a Bíblia fala sobre o
perdão, a misericórdia, a graça. Temos urgentemente de compreender a
razão de Jesus ter encarnado e se oferecido na cruz. É indispensável
olhar para o Cordeiro pendurado no madeiro e sempre, sempre, sempre
perceber que, ao lado dele, há um bandido arrependido ouvindo dos lábios
do Salvador:
“Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso” (Lc 23.43).
Resgate pecadores, não os afunde ainda mais na lama. Ame pecadores,
assim como o Senhor ama você, pecador. Eu me tornei uma pessoa muito
mais graciosa no dia em que percebi – em meio à minha própria impiedade
agressiva, miserável e sem misericórdia – que não sou melhor do que
ninguém. Você é?
Confesso publicamente: eu matei um homem. Sou um assassino. Ele perdeu a vida por minha causa. Seu nome é Jesus de Nazaré.
A boa notícia é que ele ressuscitou e nenhuma condenação há para
aqueles que nele estão. Uma Páscoa abençoada para você, que matou a
mesma pessoa que eu.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
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