Forças e fraquezas da bancada evangélica no Congresso Nacional
A reviravolta envolvendo Marco Feliciano expôs a fragilidade da bancada evangélica, cuja maioria dos parlamentares é aliada do governo petista e, ao mesmo tempo, quer combater a agenda abortista e homossexualista
Julio
Severo
“O Senhor disse que aqueles que
querem viver piedosamente serão perseguidos. Estamos vivendo um ensaio daquilo
que ainda virá com mais intensidade contra os cristãos”. Com essas palavras, o
Dep. Henrique Afonso (PV-AC) deu um alerta num culto da Frente Parlamentar
Evangélica (FPE) na manhã da última quarta-feira na Câmara dos Deputados.
Esses cultos ocorrem semanalmente.
Os parlamentares que são pastores fazem um rodízio. A cada semana, uma dupla
divide a direção do serviço e a pregação do dia.
Marco Feliciano
O alerta de Henrique Afonso estava
relacionado aos tumultos esquerdistas e gayzistas provocados com a eleição de
Marco Feliciano (PSC-SP), pastor da Assembleia de Deus, para a presidência da
Comissão de Direitos Humanos. Feliciano enfrenta hostilidade de grupos
abortistas e homossexualistas por sua conhecida postura nessas questões. Ele
vem sofrendo ataques até de grupos
evangélicos supostamente não esquerdistas,
mas os ataques principais estão vindo de grupos esquerdistas, inclusive evangélicos,
que enxergam nas posturas dele um retrocesso na agenda socialista que vem sendo
avançada há anos no Brasil.
Muitos desses grupos, inclusive a
mídia esquerdista, se utilizam de algumas das opiniões desarticuladas dele para
tentar derrubá-lo. Uma dessas opiniões é que os africanos, que presumivelmente
são descendentes de um filho que Noé amaldiçoou, estão sob maldição. Quando
Feliciano explicou que toda maldição é quebrada em Jesus Cristo, os críticos não
se importaram em dar o mesmo destaque para sua explicação. Eles preferiram
continuar acusando-o de racista, embora, tecnicamente, ele seja negro, por ser
pardo.
De longe, a opinião dele que é mais
detestada é seu apego às palavras da Bíblia que dizem que Deus condena toda
prática homossexual. Nessa questão, por mais articulado que Feliciano ou outro
cristão fosse, ainda assim a mídia o rotularia de “homofóbico” — termo vago
que, de acordo com os homossexualistas, pode significar tanto o assassino de
homossexuais quanto o pastor ou padre que pregar que Deus condena a
homossexualidade.
Os ataques contra Feliciano
deixaram a FPE ainda mais nos holofotes, por causa do marcado ódio das
esquerdas contra ele. Não que não haja esquerdistas na FPE. Há e muitos. O
problema das esquerdas com a FPE é que algumas posturas da bancada evangélica,
como a oposição ao aborto e ao homossexualismo, são uma afronta contra as atuais
prioridades socialistas.
Presença evangélica na política é histórica
Contudo, a presença de evangélicos
na política não é novidade. Assim como os cultos na Câmara dos Deputados, a
realização de cultos evangélicos no Congresso dos Estados Unidos é comum desde
a época de George Washington, o primeiro presidente americano. A história
americana está repleta de influências cristãs. Billy Graham, o maior
evangelista do mundo, foi conselheiro de vários presidentes americanos.
Na Inglaterra, a influência evangélica
na política era visível no movimento abolicionista, organizado por um grupo de
doze evangélicos. A iniciativa, pois, de abolir a escravidão começou não com
ateus nem socialistas. Começou com políticos evangélicos.
Com exceção da questão do aborto e homossexualismo, políticos da FPE são em grande parte iguais aos outros
Em Brasília, o que chama a atenção
da FPE é seus parlamentares que, apesar de pertencerem em grande parte a
partidos de linha esquerdista, se articulam, em maior ou menor grau, em defesa
da família: contra a legalização do aborto, o casamento gay, a eutanásia e a
liberação das drogas. No total, os evangélicos representam apenas 14,2% dos
deputados e 5% dos senadores.
A FPE também não foge à regra do
Congresso Nacional quando o assunto são denúncias de corrupção. Dos 73
integrantes na Câmara, 23 respondem a processo no Supremo Tribunal Federal
(STF). Há acusados de corrupção, peculato (desvio praticado por servidor
público), crime eleitoral, uso de documento falso, lavagem de dinheiro e estelionato.
De forma semelhante, os
parlamentares evangélicos também não fogem à regra quando o assunto envolve
aliança com o governo socialista do PT. A maioria dos membros da bancada
evangélica são políticos que fazem parte da base do governo petista, acumulando
poder político para si mesmos e para o próprio partido que mais gera projetos
nocivos contra a família brasileira.
O deputado João Campos (PSDB-GO),
pastor da Assembleia de Deus e presidente da Frente Parlamentar Evangélica,
reconhece que os desvios éticos prejudicam a imagem dos parlamentares da FPE.
Ele diz: “Se tiver um processo de corrupção, é claro que incomoda. A exposição
negativa pode prejudicar, mas acho que faz parte do processo”.
Abrindo o caminho para o PT na FPE
A Frente Parlamentar Evangélica foi
criada em 2003. Três anos depois, bem na época da eleição de 2006, o Congresso
foi “providencialmente” atingido por um escândalo que destruiu a reeleição de
vários parlamentares evangélicos: a Máfia das Sanguessugas, que desviava
emendas parlamentares e abastecia os bolsos de deputados e empresários,
envolveu 23 integrantes da bancada. Desses, dez eram da Igreja Universal do
Reino de Deus e nove pertenciam à Assembleia de Deus.
Alguns apontaram esse escândalo
como uma armação, pois esse tipo de problema não é incomum entre parlamentares,
especialmente do PT, que tinha grande interesse na derrubada de certos
parlamentares evangélicos que lideravam a FPE e a mantinham relativamente longe
do governo petista. O fato é que com a derrubada de vários deputados
evangélicos nas eleições de 2006, o caminho estava aberto para o PT.
A “armação” se completou quando o Bispo
Manoel Ferreira, que foi eleito deputado federal, se tornou o novo presidente
da FPE. Ferreira, que era o presidente da segunda maior denominação
assembleiana do Brasil, se tornou um conhecido aliado
do Rev. Moon e Lula. Na eleição
presidencial de 2010, Ferreira desistiu de uma candidatura de senador apenas
para atuar como o “ministro” de Dilma para assuntos evangélicos. Nenhum
líder evangélico trabalhou tanto pela eleição da dama vermelha do que o bispo
assembleiano.
Bispo Manoel Ferreira, grande aliado de Lula e Dilma Rousseff |
Além dos deputados, quatro
senadores compõem a FPE. A maioria desses 77 parlamentares pertence à base da
presidente Dilma Rousseff. Como é de esperar, eles sempre acabam mostrando
incoerência: apoiam o governo em tudo o que envolve políticas socialistas,
desde economia até educação, mas divergem quando o governo quer, por exemplo,
distribuir o kit-gay nas escolas primárias ou legalizar o aborto. Em outras
questões, como a Lei Anti-Palmada, avidamente buscada pelo PT, a bancada
evangélica se divide, devido ao próprio socialismo interno.
Henrique Afonso: contra o aborto e o homossexualismo, mas na órbita socialista
A parceria com um governo petista é
a maior contradição dos parlamentares da FPE porque o PT tem como postura
oficial a legalização do aborto e a promoção da agenda gay. O autor do alerta
da última quarta-feira no culto da Câmara sabe bem disso. Henrique Afonso, que
é pastor presbiteriano, foi integrante do PT até 2009, quando acabou punido por
não querer deixar de se opor ao aborto.
“Nós tínhamos uma cláusula de consciência quando eu entrei no PT, e isso me garantia a expressão da minha cosmovisão”, explica Afonso. “A partir do momento em que tiraram essa cláusula de consciência e passaram a defender explicitamente a descriminalização do aborto e outras matérias associadas à bioética, eu tive de ter um posicionamento contrário.”
“Nós tínhamos uma cláusula de consciência quando eu entrei no PT, e isso me garantia a expressão da minha cosmovisão”, explica Afonso. “A partir do momento em que tiraram essa cláusula de consciência e passaram a defender explicitamente a descriminalização do aborto e outras matérias associadas à bioética, eu tive de ter um posicionamento contrário.”
Afonso, que vem de origens
comunistas, vive ainda uma trajetória política dentro da órbita socialista, mas
se desvia de seus camaradas quando o assunto envolve aborto e homossexualismo.
Ele entrou no PV (partido
igualmente socialista e abortista) porque, na época, o PV tinha como sua maior
estrela política a ex-senadora Marina Silva, também evangélica. Afonso esperava
ajudar a candidatura de Marina à presidência. Mas agora ela está criando um
novo partido, a Rede Sustentabilidade, para disputar as eleições presidenciais
de 2014. Diferente de Afonso e outros parlamentares evangélicos que são claros
sobre aborto e homossexualismo, Marina
é ambígua e vaga nessas questões.
Mas nem todo petista evangélico
entra em atrito com o PT por causa do aborto e homossexualismo. Walter
Pinheiro, que é pastor batista, é hoje líder do PT no Senado e não vê nenhuma
incompatibilidade entre socialismo e Cristianismo. O PT abriga muitos outros
evangélicos, que fazem parte da PFE, que têm esse entendimento.
Parlamentares socialistas da FPE
Anthony Garotinho, um dos líderes
da FPE, afirma que a laicidade do Estado é uma bandeira dos protestantes. “O
que não pode é misturar a sua fé com a laicidade do estado”, afirma ele. O caso
do ex-governador do Rio de Janeiro, que tem um histórico marxista, é confuso:
Ele começou a frequentar em 1994 a Igreja Presbiteriana do Brasil, sob a
influência de Caio Fábio, mas suas ideias e posturas continuam na órbita
socialista.
A presença forte do socialismo
entre parlamentares evangélicos apenas reflete a realidade cultural do Brasil,
onde todos, desde a escola até a universidade, são fartamente doutrinados no
“evangelho” de Karl Marx.
A presença dos evangélicos no
Congresso é apenas o resultado de uma realidade demográfica: o rápido
crescimento das igrejas evangélicas, especialmente as pentecostais, inevitavelmente
fortalecerá a presença de pastores pentecostais nas esferas de poder. A bancada
evangélica, aliás, permanecerá em evidência na medida em que aumentarem os
embates culturais envolvendo o aborto e o homossexualismo. A pressão, até mesmo
de setores
evangélicos, para que Marco
Feliciano deixe a presidência da Comissão de Direito Humanos continua crescendo
e aumentando os holofotes sobre a FPE. Apesar dos ataques, ele permanece firme
na decisão de não renunciar.
Enquanto isso, o governo petista e
seus aliados não estão nada contentes com a decisão de Feliciano, provocando
mal-estar em muitos parlamentares evangélicos, que preferem a grande
contradição de protestarem contra a agenda abortista e homossexualista, mas
viverem grudados no próprio governo que avança essa agenda, sem enxergarem que
o socialismo não está apenas destruindo as bases da família natural, mas também
as bases da igreja, da sociedade, da economia, da educação e da própria
sobrevivência humana.